Tarifa zero é viável, mas não há milagre

Seja com a cobrança de passagem ou com recursos de impostos – alguns defendem que o melhor seria uma mistura dos dois –, o dinheiro para custear o deslocamento nas cidades precisa sair de algum lugar. Nesse sentido, para os especialistas, a tarifa zero é viável simplesmente por ser uma decisão política. Nisso, todos concordam. Já quanto ao modo de implantar o transporte público grátis e os limites para isso dependem da cabeça de cada estudioso e das experiências em curso (leia mais nesta página).
 
Professor de Ciências Sociais Aplicadas da Universidade Estadual de Feira de Santana (Uefs), na Bahia, Antônio Rosevaldo é otimista quanto à possibilidade de transformar o transporte público em algo gratuito e de qualidade. “Claro que não existe almoço grátis, alguém vai ter de pagar. O que acontece hoje com o sistema é que o empresário ganha para deixar ônibus na garagem. Nós apuramos com o Ministério Público que há empresas de ônibus que cumprem apenas 60% do número de passageiros que está no contrato”. Ele defende que se houver mudança nos contratos para que as empresas precisem cumprir uma quilometragem determinada, a situação do transporte já teria uma melhora substancial.
 
Diego Diehl, advogado formado pela UFPR e doutor em Direito pela Universidade Nacional de Brasília (UNB), relata ter demonstrado em seu trabalho de conclusão de curso na UFPR que a tarifa zero é constitucional. Ele conta que fez uma pesquisa para entender o desenho jurídico envolvido no sistema de transporte em 2008, tomando como base o cenário de então dos ônibus em Curitiba .“A conclusão foi de que é possível a criação de uma taxa específica pela disponibilização do transporte coletivo. É um tema bastante novo. No Direito Tributário temos três tipos de tributos: impostos, taxas e contribuições de melhorias. Em geral, o que se defende pelos próprios movimentos sociais, e que foi objeto de estudo, é bancar o transporte por uma elevação nos impostos.”
 
Diehl explica que é possível que novos tributos com o fim de subsidiar o sistema de transporte sejam criados. “Qualquer imposto pode financiar o transporte. Cada município poderia instituir uma taxa, um novo tributo. Poderia ser cobrado junto com o carnê do IPTU, como ocorre com a iluminação pública e a coleta do lixo que são cobradas de cada um dos contribuintes. A partir do momento que é disponibilizado o transporte gratuito, o imposto é cobrado de todos e poderia ser usado por todos”, sugere.
 
O professor de Engenharia Civil da Universidade de Brasília (UnB) Joaquim Aragão enfatiza o peso político envolvido na gratuidade da tarifa. “O importante é que a população seja extremamente clara quanto às suas prioridades. Prefere pagar tarifa ou imposto? A comunidade precisa aprender a discutir de forma integral, e não se limitar a uma bandeira fácil de se pronunciar.” Aragão retira o foco do formato e diz que o debate da qualidade tem um caráter mais urgente. “A qualidade não é de graça, mesmo com subsidio do Estado. E essas são questões que a sociedade deve pautar.”
 
Já na opinião de Otávio Cunha, diretor da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU), a tarifa zero ao usuário é utopia. “O movimento gerado no debate da tarifa zero ajuda a pensar por que o transporte público no Brasil não melhora. A gente não sai dessa lógica cruel, perversa, poder público pressionado para não aumentar a tarifa e não tendo como bancar diferenças, oferece para a população um serviço ruim. A empresa acaba ficando com a pecha de que oferece serviço ruim, o que não é verdade”.
 
Sobre o fato de a qualidade do transporte ser ruim, Cunha concorda que é preciso mudanças para resolver o que ele chama de verdade absoluta. “Transporte de boa qualidade custa muito caro. Se analisar qualidade do serviço do metrô, todos acham que é excelente. Mas é sempre subsidiado.”
 
 
Paraná tem duas cidades com transporte gratuito
Dois municípios do estado de portes parecidos têm tarifa zero em vigor atualmente. Pitanga, no Centro-Sul, tem 32,6 mil habitantes e duas linhas em circulação. Ivaiporã, no Norte, tem 31,8 mil habitantes e um total de cinco linhas. Nos dois municípios há poucos horários em operação por dia, apenas nos períodos de ida e volta ao trabalho. Ainda assim, a procura, em ambos os municípios, é grande e há momentos em que é necessário fazer viagens extras. Tanto em um quanto em outro sistema, o transporte escolar funciona separadamente.
 
Gisele Baraldi Martins, secretária de Administração de Ivaiporã, conta que o custo mensal das cinco linhas é de cerca de R$ 50 mil. Em torno de 2 mil pessoas utilizam o sistema todos os dias, principalmente para ir ao trabalho. Os ônibus foram, em média, fabricados em 1998 e há uma tentativa de renovar a frota.
 
“É um gasto grande com o qual o município arca, são veículos próprios e há despesas como manutenção, combustível, motorista. A maioria da população se beneficia do sistema.”
 
Jane Picolli Albuquerque, secretária de Cidades de Pitanga, conta que uma das duas linhas é operada pela própria prefeitura e a outra é terceirizada. A própria custa R$ 8,9 mil por mês e a terceirizada, cerca de R$ 4 mil, totalizando custo mensal de R$ 13 mil. “São transportadas mais de 400 pessoas por dia. O sistema beneficia vários setores, traz gente para trabalhar e também ajuda na questão do estacionamento, ajuda a não vir tantos carros para o Centro. Tem dias que [o sistema] lota bastante, mas se acaso lotar, o motorista faz uma viagem extra, não tem problema.”